Acordei mais uma vez com a agua a escorrer-me pela testa... Aquele rosto nao me largava. Por muito que tentasse, nao conseguiria esquecer aquela noite.
Levantei-me e fui tomar um duche. Deixei que a agua quente me massajasse as costas. Nao consegui impedir as lagrimas. Nao contei a ninguém, e nunca iria contar. é um segredo que ira comigo até ao tumulo. Tenho vergonha, e tenho medo, muito medo do que possam pensar, do que possam dizer, do que possam fazer com a minha vida...
Quando tocaram a campainha ainda eu estava no duche. Apressei-me a vestir e abri a porta. A minha irma entrou e sentou-se na sala.
- Joao, eu gostava mesmo de saber o que se passa contigo...
Olhei-a de soslaio... ela e o raio da mania que é sabichona. Se me deixasse sossegadinho pelo menos uma vez na vida. é por isso que detesto ter uma irma mais velha. Pensa que sabe tudo e no fundo nao conhece o proprio irmao.
A nossa conversa nao chegou a lado nenhum. Eu nao lhe iria contar nada do que se passara ha uns meses, nem lhe contaria que hoje iria a uma consulta. O resultado dos exames também ninguém sabera. Se for positivo? Sou egoista sim! Nao conto, nao! Tenho direito a viver com dignidade. Tenho direito que continuem a olhar para mim com normalidade, e nao como quem carrega uma cruz capaz de a passar para as costas de cada um.
Eu nao pedi nada disto... Nao pedi o que aconteceu naquela noite. Tive culpa sim. Bebi, deixei-me cair, nao me cuidei, mas foi so nisso que tive culpa. O resto veio qual castigo dos céus, se é que isso existe. Tenho as minhas duvidas perante tanta crueldade.
Ela insistiu em saber o que se passava comigo. O porque de ter terminado a relaçao com a Andreia. O porque de ter deixado a minha carreira de professor. O porque de me manter fechado em casa.
- Estou bem, normal, so quis mudar de vida... - respostas caoticas, de um ser caotico, numa vida nao menos caotica...
Ela saiu, completamente frustrada por nao levar as informaçoes que tencionava passar a mae. Eu deixei-me cair no sofa. Adormeci e vi aquele rosto. Eu gritava de dor. Acordei.
Olhei para o relogio. Estava na hora.
Entrei na clinica. Esperei pela minha vez. Nao foi preciso o médico me ler o resultado do exame de sangue. No seu olhar percebi tudo.
Enquanto caminhava para casa, apertava as maos.
- Positivo... deu positivo... e agora?
E agora? O que vai ser da minha vida? Quanto tempo vai durar a minha vida? O que vou fazer?
Nao posso contar a ninguém... se eu proprio nao me aceito neste estado, os outros repudiar-me-ao...
Nao posso... e no entanto, continuo a ser eu, o Joao, amigo dos meus amigos, bom filho, bom funcionario... sou eu e nao sou... porque agora, no meu dia-a-dia existe mais um sentimento, que jamais desaparecera... o medo... medo que descubram...
Nao, nao podem descobrir...
(texto ficticio criado por mim para a fabrica de historias)