Tinha doze anos quando recebi um postal do meu avô… Havia partido há alguns anos para a Noruega e volta e meia enviava-nos uma carta com novas sobre a sua vida, mas naquele ano enviou-me um postal.
As frases curtas e os cumprimentos para todos não foram o que me fez guardar aquele postal para todo o sempre… Foram sim as cores, o verde da paisagem, o vermelho da casa que ao fundo emergia, a calmaria das águas…
Sempre que olhava para aquela imagem sentia em mim uma vontade suprema de sair, de deixar a aldeia em que vivia para conhecer aqueles campos, aquele sossego que me parecia belo demais para ser verdade.
Sempre fora muito sensível. A minha mãe odiava que eu, como rapaz, perdesse tempo a olhar os pássaros, a pintar o que via, a ler e a escrever. Punha-me a trabalhar no campo : -« que é para ver se te fazes homem ! » - dizia.
A verdade é que nunca conseguiu roubar-me este amor por coisas simples, e nunca conseguiu perceber esta minha paixão por um postal, por umas montanhas, por uns campos verdinhos, por uma casa vermelha.
Cresci com aquela imagem na cabeça, qual obcessão.
No entanto, depois de crescer não tive oportunidade de viajar para a Noruega, para o destino que me preencheu a adolescência com sonhos e castelos na areia, a minha utopia…
Casei, os filhos nasceram e a oportunidade nunca chegou. A ideia de que a vida seria diferente, seria melhor na Noruega, foi-se dissipando, dando lugar a uma aceitação da vida como ela é. Jamais sairia do país em que nasci. Pior, jamais saíria da aldeia onde nasci… no meu coração a vontade existia, mas o meu corpo não emanava a coragem escondida no meu peito.
Um dia, já o meu filho tinha trinta anos, disse-me que ia partir.
-Para onde ?
-Para longe, pai. Quero conhecer o mundo, saber mais sobre tudo aquilo que existe, conhecer gente, povos, ideiais, maneiras, culturas.
E a coragem que me faltara em tempos, tinha o meu filho.
Fui à minha caixinha e de lá retirei o postal que o avô havia enviado. Amarelado pelo tempo, tao amarelado quanto eu envelhecido e enrugado.
Cheguei à sala de postal na mão :
-Mulher, vamos para a Noruega ?
-Olha, enlouqueceu o velho…
Olhei-a, desprovido de entusiasmo. Ela acabara de o afogar naquelas palavras.
Calma e desinteressadamente, perguntei-lhe :
-Vais comigo ou não ?
-Estás mesmo a falar a sério ? – perguntou incrédula.
-Sim, - respondi, gaguejando.
Não foi díficil convênce-la, mas preparar tudo levou o seu tempo…
Passaram quatro meses até ao dia da partida. Eu estava nervoso… ansioso… era o sonho de uma vida. Talvez um sonho estúpido para muitos, mas era o MEU sonho…
A viagem correu bem… afinal hoje em dia é tudo tão mais fácil com estes bichos denominados de aviões.
Quando chegamos a Oslo, não vi campos verdes, casas vermelhas ou águas paradas… O aeroporto. Das janelas via-se a cidade. Parecia uma cidade demasiadamente povoada…
O meu primo, que já cá vivia, foi buscar-nos e levou-nos até casa dele. Numa vilazinha, onde as casas tinham as mais variadas cores… os campos eram verdes e as montanhas completavam o cenário, tão similar ao meu postal ilustrado…
Já cá vivemos há oito meses. Conseguimos alugar uma casinha e a Maria adora estar cá… Dois meses depois de chegarmos foi-me diagnosticado um cancro nos pulmões… Diz a Maria que é do tabaco… Não é nada mulher… Se não fosse disso seria de outra coisa… Deram-me até cerca de um ano de vida. Não fiquei triste ou angustiado, porque afinal, tarde ou cedo concretizei o meu sonho…
Nunca é tarde para lutar e correr atrás dos nossos sonhos… Eu finalmente entrei no meu postal ilustrado…
(história fictícia)