5 de Novembro de 2005
Tenho andado muito ocupada. Entre trabalho, bebida e falta de vontade de escrever, tenho mantido os meus escritos de lado. Comecei um curso de psicologia. Nada de especial na verdade. Mas queria manter a cabeça mais ocupada.
Estou mesmo a tentar deixar a bebida. Mas confesso que pensei que seria mais fácil. Sempre disse que deixaria a bebida quando quisesse… mas agora sei que não é bem assim. Quero parar e não consigo.
Hoje vou directa para o trabalho. O Hugo está doente. Um outro colega despediu-se, e hoje começa um novo. Vamos ver como corre.
Não gostei dele. À primeira vista pareceu-me muito vaidoso, orgulhoso. Tem trinta anos e veste Armani. Tem os dentes brancos e muito certos. Os olhos escuros são grandes e brilhantes. O cabelo castanho claro tem um tom camarelado em contraste com a pele morena. Parece que faz praia o ano todo. Faz covinhas quando ri. Tem uma aparência estranhamente tentadora… O género de homem que só nos faz pensar : « se me envolvo, tenho sarilhos ».
É muito educado. Faz as devidas pausas ao falar. Sabe falar. Quando me olha, observa-me. Estuda-me. Quer saber mais. Ou entao sabe mas não quer dizer.
Fui eu que lhe fiz as honras da casa. Pu-lo a par do trabalho e expliquei-lhe como funcionava o trabalho entre nós. Ele ouviu e aceitou tudo com uma humildade que me surpreendeu.
Depois de um extenuante dia de trabalho passei por casa da Marcela. Desta vez toquei à campaínha. Ela veio abrir, com a menina ao colo.
- Sofia ! querida ! Entra !
- É bom ver-te animada. – sorri, disfarçando a preocupação.
- Oh! Está tudo bem ! Porque não estaria animada ? Tenho que te mostrar o que o Jorge me ofereceu ! E eu nem faço anos !
Confesso que fiquei admirada, mas gostei de saber que ele estava a dar mais atenção à esposa.
Puxou-me para o quarto.
- Ele ainda não sabe que eu já vi a prenda – sussurrou. Abriu uma caixinha vermelha e de lá tirou uma pulseira de diamantes. Líndissima. – Hoje de manhã fui à mala dele procurar a chave do jeep, e quando vi isto, com este postal, só me apetecia chorar de felicidade ! – mostrou-me o postal que dizia : « para a mulher que ilumina os meus dias e me faz sentir o homem mais louco do Mundo ! ».
Não era para ela… o presente não era para ela… mas eu não lhe podia contar. Não podia destruir a momentânea felicidade que se tinha apoderado dela.
- É concerteza muito bonita, amiga. Muito mesmo !
- Também achei! Mas ele bem que me podia perguntar se eu gostei ou não ! Já lhe liguei mas ele não podia atender, até agora não me ligou de volta. Mas não faz mal, porque depois de um presente assim não tenho direito de o perturbar !
« Meu deus, como estás cega… » - pensei eu para mim.
- Vamos até ao parque ? – perguntei.
- Sim, vamos, vou chamar os miúdos.
O sol ainda brilhava. Enquanto passeavamos, conversavamos sobre as nossas vidas. Sobre quando ela conheceu o marido dela e eu o meu. Sobre as nossas travessuras em crianças, sobre a nossa amizade, sobre o quanto nos amavamos uma à outra. Eu sinto-me mal por não lhe contar o que sei. Mas tenho medo… muito medo que ela cometa os mesmos erros que eu. Por isso mantenho-me de lado, até que tenha mesmo de interferir.
Brincamos com os miúdos no parque. Começou a correr uma brisa suave, que me fez sentir novamente uma menina de quinze anos, quando ia para aquele mesmo parque espiar este ou aquele apaixonado. Olhei para a minha amiga. Continuava a ser a mais bonita de nós as duas. Morena, de olhos verdes, sempre fora a mais bonita. Era muito feminina. Eu sempre fora mais Maria-rapaz. Agora os seus olhos andavam sempre cansados. Ainda me lembro quando ela conheceu o Jorge. Foi amor à primeira vista, num encontro de faculdades. Ela viu-o e fixou-o. Naquela noite nenhum dos seus pretendentes teve sorte, porque a Marcela só tinha olhos para o estudante da faculdade de direito.
Daí até se envolverem foi uma questão de dias. Ao fim de um mês estavam perdidamente apaixonados. No final do ano lectivo casaram-se. Depois disso não tiveram logo o primeiro filho porque a Marcela ainda estava a acabar o curso, mas assim que apanhou o canudo na mão, engravidou e teve o António. Os quatro anos de diferença que existem entre nós não se notam. Aliás, não só em aparência, como em maneira de ser, pareço eu ser a mais velha. Agora depois de onze anos de casamento, eu via-a ainda loucamente apaixonada e temia pelo desfecho destas vidas.
Fui comprar um gelado para os miúdos e um refresco para nós. Sentamo-nos no banco do jardim a sentir a brisa amena, e a conversar. E assim se passaram duas horitas, até que começou a escurecer e voltamos para as nossas casas.
Estou deitada na cama e pela primeira vez em três anos, estou a sorrir sozinha. Os meus sonhos têm-me feito bem.
Pergunto-me às vezes o que fazemos neste mundo… se existe Deus, se este nos vê e ouve. Pergunto-me qual o mistério desta nossa passagem por este planeta… porque rimos e choramos com tanta facilidade… porque será que às vezes a nossa felicidade implica a infelicidade dos outros. Ouço a chuva a cair… « tempestade de verão » - penso. Pego neste caderno e na caneta e vou-me sentar no parapeito da janela. As pingas são velozes e gordas. Vejo um senhor já com certa idade a tentar correr para casa. Os coelhos enfiam-se nos jardins das casas. Quase não passam carros. Chove cada vez mais, e de repente um relampago… Cena maravilhosa esta… a luz florescente destaca-se no céu… as pingas grossas continuam a cair… e eu a presenciar este milagre de Deus, que é a Natureza… se tu estivesses aqui comigo, atrever-me-ia a saltar da janela e dançar à chuva… sentir-te nos meus braços, desenfreadamente dançando enquanto a água não pára de cair… Mas tu ja não estás aqui, pois não ? Eu sei que não… Nunca mais vou sentir o teu abraço, nem sequer ver o teu sorriso… E este amor que não acaba… Não há um dia, e sinceramente, acredito que apenas escassos segundos, em que não pense em ti. Eu amo-te e vou amar-te para sempre. Nada nem ninguém ocupará o teu lugar. És meu Ricardo. Para sempre.
Jo